Para algumas pessoas, passar um dia sem carro é uma coisa
normal, ou tarefa das mais fáceis de se cumprir. Para mim não. Não porque
raramente ando de ônibus, mas porque moro a 36km do meu trabalho (mapa abaixo)
e o percurso exige um pouco mais do que simplesmente pegar um ônibus.
Essa foi a tarefa mais difícil de ser realizada e que exigiu
o maior esforço. Mas também foi uma das
mais gratificantes e que rendeu a maior quantidade de insights. Por que mudar a
rotina, deixar a comodidade e facilidade do carro, para sofrer no transporte
público?
Aproveitei que hoje era o dia do rodízio do meu carro para
sair para essa aventura (sim, quando você muda sua rotina e vai fazer uma coisa
que nunca faz, um simples trajeto normal vira uma aventura). Saí de casa
pontualmente às 7hs da manhã, coloquei roupas confortáveis e saí caminhando em
direção ao ponto de ônibus. Da minha casa até a Raposo Tavares são 3 km, por
uma estradinha sem muita opção de transporte público. Minha mãe, que estava em
casa nesse horário, se ofereceu para dar uma carona até o ponto de ônibus, mas
recusei, achando que seria interessante se pudesse ir caminhando, coisa que
jamais fiz, nos 17 anos em que moramos
aqui. E de fato foi uma boa escolha. A
caminhada inicial foi a melhor parte do dia. Em um dia de rodízio, costumo
chegar no escritório depois das 10hs, então não tinha pressa para chegar, o que
tornou a caminhada mais agradável.
Aproveitei o caminho para cumprir mais uma das 30 tarefas:
dar bom dia para 10 pessoas diferentes. Enquanto eu caminhava em direção a
rodovia, as pessoas que trabalham no bairro chegavam. Eram em sua maioria
empregadas domésticas, pedreiros, pintores e jardineiros, imagino eu. Decidi
dar bom dia a cada uma das pessoas que cruzava meu caminho. Fato engraçado de
se perceber. A maioria das pessoas vem olhando firme com a cabeça erguida e
quando cruzam seu caminho baixam o olhar, ou desviam, de maneira a não olhar no
seus olhos. À todas as pessoas dizia “bom dia”. A maioria respondia,
surpreendida pela saudação, com um bom dia baixo de volta. Alguns sorrisos.
Outras ignoravam, e algumas nem sequer ouviram, tão presas por seus pensamentos
que estavam. À medida que me aproximava da Raposo, o sol brilhava mais forte, o
barulho dos carros aumentava e as pessoas ficavam mais frias. A sensação do
caos do trânsito começava a aparecer. E então as pessoas deixavam de responder
de volta. Então parei de dizer. Mas o resultado? Ao invés de 10, dei bom dia
para 39 pessoas.
Parei no supermercado do bairro para comprar alguns pães de
queijo (saí de casa sem café da manhã). Comprei mais do que comeria, para poder
oferecer a alguém no caminho: “enquanto estiver no ônibus sentado, lendo meu livro,
como uns pães de queijo e ofereço a quem estiver ao meu lado”, pensei. Chegando
ao ponto, pedi informação a um jovem sobre qual ônibus deveria pegar para a
estação Butantã do metrô. Ele gentilmente me respondeu, dando dicas dos ônibus
que passavam mais vezes. Ofereci meus pães de queijo para ele e para as outras
3 pessoas que estavam no ponto. Nenhuma aceitou...hahaha... confesso que eu
também não aceitaria. Quando meu ônibus apareceu, fiz sinal para que parasse, e
então caí na realidade: Seria impossível ir sentado confortavelmente lendo um
livro. O ônibus estava tão lotado que não conseguia nem entrar. Fiz sinal para
o motorista dizendo que esperaria o próximo. Poucos minutos depois, veio outro.
Dessa vez, um pouco mais vazio, ou melhor, menos lotado. Ônibus apertado, tive
que ir de pé o trajeto todo. Tentei reparar bem nas pessoas que lá estavam.
Quem estava sentado, estava dormindo. As demais pessoas, sem exceção, com
semblantes fechados, em silêncio. Fiquei ressentido de ver essa cena, que deve
se repetir sempre. Imagino o quanto deve ser difícil encarar isso todos os dias
(e depois de hoje, consigo imaginar um pouco melhor). Parecia que as pessoas
estavam sendo levadas à força naquele ônibus, para um lugar de tortura. Ninguém
parecia feliz. E enquanto refletia sobre isso, olhei pela janela e vi o
trânsito parado. Olhei para alguns motoristas e para minha surpresa (ou não) vi
a mesma feição. Apesar de estar num carro, as pessoas estavam com o mesmo
semblante, como se estivessem sendo levadas à força para onde quer que
estivessem indo. Ver o mesmo trânsito que enfrento todos os dias de dentro do
ônibus lotado me fez pensar de maneira diferente. É bem bizarro ter centenas de
carros com somente uma pessoa dentro. Com certeza, Essa é uma das grandes
causas do trânsito caótico de São Paulo.
Depois do trajeto de ônibus, desci na estação Butantã. Metrô
cheio também, mas é inegável sua eficiência. Fiz um trajeto que de carro leva
quase mais de 40 minutos em pouco mais de 15, do Butantã à Paulista. Fiz
baldeação da linha amarela para a linha verde e depois, da linha verde para a
linha azul. Essas duas últimas já estavam bem tranqüilas. Acredito que pelo
horário, e também por estar indo no contra-fluxo da maioria. Cheguei ao
escritório às 9h10. Duas horas e dez minutos depois de sair de casa. Se pensar
que costumo demorar 1h30 de carro e que tive uma caminhada de quase 40 minutos,
não foi tão demorado, mas o cansaço é muito maior. Cheguei mais cansado que normalmente,
por motivos óbvios, mas o fato de ter mudado minha rotina me deu mais energia
para trabalhar. Trabalhei o dia todo hoje com muito mais concentração e
produtividade que o normal. Minha percepção do trabalho também mudou.
Ao final do dia, estava cansado mais cedo que o normal. E
então caí na realidade novamente. Teria que fazer todo o trajeto de volta. E a
volta foi bem mais complicada. Saí do escritório às 18h10. Poderia sair um
pouco mais tarde, mas gostaria de testar a volta para casa no horário de pico. E
te digo que foi tenso...haha. Na fila da bilheteria do metrô, tive a
oportunidade de ajudar uma pessoa. Um jovem estava pedindo para as pessoas da
fila, algum trocado para completar sua passagem de ônibus. Vi que estava
constrangido, pois não parecia ser do tipo que precisava pedir dinheiro para
passagem. Devia estar sem carteira. Enquanto algumas pessoas davam moedinhas,
me ofereci para pagar o valor total que precisava.
Metrô lotado em todas
as linhas. Dificuldade para entrar no vagão, para sair e para caminhar para a
outra
linha. Engraçado como as pessoas acabam adotando o mesmo comportamento
que vejo sempre no trânsito. Algumas tentando ultrapassar as outras por fora,
gente que não dá passagem e gente que acha que você está querendo passá-la para
trás, simplesmente porque quer entrar na escada rolante. Muita gente reclama da
falta de educação das pessoas no metrô, mas a mesma coisa acontece no trânsito
(posso garantir isso, porque se tem uma coisa que eu conheço bem, é o
trânsito). A caminhada pelo túnel da linha verde para a linha amarela se
assemelha à saída de estádio lotado, ou, sendo mais ácido no comentário, à
caminhada de bois para o matadouro. Como tem gente em São Paulo!!
Saí do metrô e caminhei em direção ao ponto de ônibus. Ao sair
na rua, vi os ônibus completamente abarrotados. Pensei que novamente não teria
vida fácil. Mas ao chegar no ponto, avistei uma lotação indo em direção ao meu
destino e rapidamente entrei. Era como um microônibus. Não estava lotado, mas
não tinha lugar para sentar. Fui em pé todo o caminho. A lotação é um meio de
transporte bem perigoso. Por ser mais ágil, o motorista acaba comentendo mais
abusos. As freadas são bruscas e o veículo te chicoteia para direita e para
esquerda. O trânsito estava pesado e o motorista usava as áreas de escape e
entradas de ponto de ônibus como verdadeiros corredores. Quando o trânsito
começou a andar, a aventura ficou mais intensa. Meu microônibus se transformou
em um carro de formula 1 e meu motorista virou o Fernando Alonso. Só que àquela
hora, meu desejo de chegar em casa era tão grande que nem liguei. Desci no
ponto em frente à estrada que leva ao meu condomínio completamente esgotado.
Pensei que ainda teria que fazer uma caminhada longa. Mas resolvi que não iria
caminhar e decidi pedir carona (tal como fazia quando era adolescente). Para
minha surpresa consegui carona fácil. Não fiquei nem mesmo 10 minutos esperando.
Vim conversando com o homem que me transportava, contando parte dessa jornada
que narrei aqui. Ele mudou um pouco seu caminho para me deixar mais próximo de
casa. Agradeci, desci do carro e caminhei mais alguns metros até terminar essa “aventura”.
Minha intenção com essa experiência não foi a de querer
experimentar o que os outros passam, nem de querer me mostrar bonzinho. Foi
apenas de sair da minha rotina. E posso dizer que apesar de todo o perrengue
que passei, foi legal. Fiz coisas que nunca faço, vi por um outro ângulo as
coisas que vejo todos os dias e meu dia foi bem diferente. Sim, tem também o
fato de sentir na pele o que as pessoas com mais dificuldades financeiras
passam. Passo a valorizar mais as pessoas que se esforçam para chegar no trabalho
(vou pensar duas vezes antes de achar ruim o atraso de algum funcionário que
more longe) e agradeço mais por ter meu carro.
Para aqueles que reclamam da vida, da rotina ou do seu trabalho, sugiro
essa experiência. Com certeza a visão muda. E é uma maneira divertida de
quebrar sua rotina e fazer algo de diferente. Agora são 22h20 e eu estou
completamente esgotado...mas feliz e agradecido por tudo o que tenho. Boa
noite!